quarta-feira, maio 27, 2015

Padecendo, no paraíso

Não adianta. Quem não quer se incomodar nessa vida, eu dou a dica: não tenha filhos.
Ter um filho, é ganhar um passaporte rumo a incomodação por toda uma vida. Quem aqui é pai e mãe de verdade sabe bem do que eu to falando: o filho incomoda desde antes do nascimento. 

A criança nem nasceu ainda e o pai e a mãe já estão incomodados atrás de todas as coisas que ela vai precisar pra vir ao mundo. Todos dizem "aproveite para descansar", mas a verdade é que os pais só tem descanso, pensando no bem estar do filho.

Aí o bebê nasce, e você não dorme mais, se alimenta mal, passa os primeiros meses vivendo em função daquela criaturinha que você nem consegue explicar como pode amar tanto. Você se coloca em último lugar: primeiro o banho dele, depois o seu. Primeiro a comida dele, depois a sua. Roupas? Como perde rápido, precisamos de mais e mais, mês após mês. 

Está sentando? Lá está você incomodado, fiscalizando: será que vai cair? Meu deus não pode mais deixar sobre a cama! E o berço, vamos baixar o estrado porque esse bebê vai se jogar. Segura firme que ele não pára, e vai escorregar nessa banheira. 
Pisos e tapetes? Todos emborrachados. Tomadas? Todas com protetores por favor. Redes nas janelas, afinal você não é louco de ter uma criança solta assim no quarto andar. 
No fim de um ano, você aparenta ser a pessoa mais feliz, mas também a  mais exausta que existe. Mas calma. Tem muito mais por vir...

A criança começa a falar, e você precisa pensar no que vai dizer porque ela pode repetir... Ela já consegue perceber tudo que está acontecendo ao redor? Meu Deus, você precisa dar um jeito de educar e dar um bom exemplo. 
Já vai pra escola? Tem que se incomodar se a criança fez o dever de casa, se brigou com o coleguinha, se respondeu pra professora...

O Armandinho, de Alexandre beck

Aí os filhos entram na adolescência, e você volta ao estágio inicial: não dorme de preocupação. Quando o filho sai de casa, você quer saber com quem ele anda, quem são os amigos. Adolescentes incomodam demais. Alguns comem muito, outros não comem nada, e você acha que seu filho tá tão magrinho... Haja remédio pra dor de cabeça. Como incomodam as músicas naquele volume, se é que se pode chamar essa gritaria de música.

E então, o filho sai de casa. Nunca na história desse país, você se incomodou mais. Tem que ajudar na mudança, tem que ajudar a pagar algumas contas, e se ele se casa? Será que ela gosta mesmo do meu filho? Será que ele trata bem mesmo a minha filha? As mães fazem o possível pra agradar as noras, os pais bebem cerveja com os genros. Tudo apenas, para ter o filho perto. 

Não adianta, eu repito. Se você não quer se incomodar, não tenha filhos. É incomodação pra vida inteira. Pais sempre querem o melhor para os filhos. Pais vivem em função dos filhos. Se colocam depois dos filhos.

Friso aqui: não adianta, quem ama, se preocupa. Não dorme direito velando o sono do outro. Não consegue se desvencilhar do sofrimento do outro, não porque não dá, mas porque não quer. Me digam aqui um pai que não trocaria o choro do filho pelo seu, e eu digo que este não é pai. Me digam aqui, uma mãe que depois de passar por tudo isso, não se sente a pessoa mais abençoada e feliz do mundo, e eu digo que esta não é mãe.

Minha mãe já tinha me contado, mas esse tipo de coisa você só entende depois que se torna pai e mãe. Não há alegria maior que um filho, mas esteja preparado para perder todos os cabelos.
Ser mãe e pai é aquilo que chamam de padecer no paraíso. 
É o que chamam de amor incondicional. 

Até :)

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